sexta-feira, 1 de junho de 2007

TANTO FAZ FICAR VIVO?

Acabei de ler "O Estrangeiro" de Albert Camus e no início do relato, aparentemente descomprometido com a realidade à sua volta, pensei: deveria estar lendo sobre coisas mais urgentes, afinal o sofrimento individual quase sempre se apresenta como desinteressante do ponto de vista político social.

O último capítulo do livro é um soco no estômago para quem ainda se ilude com a escrita de Camus. Um homem banal, numa perspectiva banal frente à vida, agindo com base no “tanto faz”, de um instante para o outro se vê diante da morte e desperta para os anos perdidos à sua frente. Seu ateísmo confrontado com a fé do capelão que vem assistí-lo em suas últimas horas de vida resulta em um debate de raríssima beleza, lugar onde a vida e a morte se apresentam com toda a sua poesia e horror.

“Tão perto da morte (...) também eu me sinto pronto para reviver tudo. Como se essa grande cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de esperança, diante dessa noite carregada de sinais e de estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo.” A eterna indiferença diante da vida, sob a perspectiva da morte, apresenta a sua face de certeza radical. É somente por ser capaz de continuar desejando um mundo melhor, que ele se mantém vivo por mais algumas horas.

Camus nos convida a ter esperanças, enquanto a escrita o mantém vivo em nossa memória, nos causando horror todas as vezes que optamos pelo “tanto faz”. A perspectiva da morte presente em nossa memória de forma radical é o que nos permite a valorização permanente da vida. Não somente da nossa morte, mas de todas as mortes injustas, praticadas por leis injustas. Não podemos nos esquecer um só minuto que o “tanto faz” é o decreto de morte antecipado. Nosso e de todos os que nos cercam.