domingo, 18 de maio de 2008

Urbanidade

Ontem saí de casa atrasada para um compromisso de trabalho e quando cheguei no ponto do ônibus me dei conta, bastante aflita, de que não tinha o dinheiro trocado para a passagem, apenas cinqüenta reais inteiros. Sempre tenho o cuidado de andar com pratinhas, facilitando o trabalho dos trocadores, especialmente quando eles são ao mesmo tempo motoristas. Não me custa ser gentil, antes de entrar no ônibus eu sempre dou bom dia, esse é um hábito que normalmente facilita as relações, nos humaniza.

Havia uma menina com um bebê no colo e eu sorri para ela assim que entrei, fazia um dia bonito. Retirei a nota de cinqüenta da carteira e disse: desculpe, mas eu não tenho trocado e não tive tempo de passar no jornaleiro, comprar um jornal, uma revista. A trocadora me disse que não tinha troco e eu insisti: e como resolveremos isso? Ela me respondeu secamente: fale com o motorista.O mal humor instalado naquele lugar não se demovia com meus gestos de gentileza e voz macia.

Me aproximei do motorista e disse, com o maior respeito que eu lhe devia: desculpe incomodar seu trabalho, mas é que estou com uma nota de cinqüenta reais e a trocadora não tem troco, será que eu poderia viajar aqui na frente, descerei algumas quadras adiante, na esquina da Bolivar. A essa altura eu vinha do começo de Copacabana e já estava quase na esquina da Siqueira Campos, umas quatro quadras percorridas. Imediatamente ele parou o ônibus e disse que eu deveria descer, que eu não poderia viajar na frente, era proibido.

Surpresa com a reação do motorista, tentei argumentar sobre os meus direitos e voltei para a trocadora, quase enfurecida: eu quero ver a lei que me proíbe de viajar por não ter dinheiro trocado. A trocadora com ar de deboche me dizia, com seu português macarrônico, enquanto eu a corrigia: a gente não podemos, não minha filha, nós não podemos! Estamos entendidas? Eu quero saber o que diz a lei, você sabe me dizer? É claro que ela não sabia, nem eu. E que os demais passageiros já começavam a ficar irritados com a minha insolência e me cobriam de vaias, enquanto eu desistia.

Desci do ônibus e anotei a placa, pensando: vou processar essa porcaria! Dias antes eu havia visto uma cena que me constrangera e me deixara pensativa: uma senhora esbarra em um rapaz e pede desculpas. O rapaz se volta pra ela e diz: sabia que eu posso te processar por isso? Era o vendedor de uma loja e ele estava fazendo uma piada ridícula. Não vou processar ninguém, vou simplesmente escrever um texto e colocar na minha página um desabafo aflito.

Não quero mais discutir os meus direitos, sei que poderia abrir um processo e colocar uma empresa na justiça. Para isso eu precisaria de testemunhas, de uma ocorrência policial, de uma ida à delegacia. Estou sempre atrasada, não tenho tempo para isso. E quanto mais corro, mais me assusto com esta sociedade urbana em que vivo, truculenta, desumana e tão cheia de vícios. Que me obrigam a pensar essas coisas enquanto ando à pé para o meu compromisso. Entre camelôs, moradores de rua e sirenes de polícia.