Vamos desenhar um caminho? me diz a criança no consultório. Um menino de sete anos de idade, vinha acompanhado da mãe e já na entrada do hospital me causou surpresa o modo como andava: sacudia os braços em círculos no ar, como se abrisse caminho no vento pra conseguir passagem. Já fazia algum tempo que ele vinha e a queixa era feita pela mãe: um menino muito agressivo.
Nas primeiras entrevistas, colocava tudo de cabeça pra baixo, chutava, batia. Aos poucos foi dando vida aos carrinhos que iam pra guerra, as mortes, os bandidos. Seu pai morrera com um choque no liquidificador, quando ele ainda estava na barriga da mãe e este era o drama que envolvia aquela família, composta de mãe e filho.
Sim, vamos, respondi depois de colocar duas folhas de papel, lápis e borracha sobre a mesa, sentando-me em seguida. Vi que ele desenhava distraído da minha presença, absorto, determinado, decidido. Enquanto eu apenas repetia, não entrando na brincadeira do jeito que me foi oferecida. Para comodidade minha, perguntei se poderia copiar o dele, que me parecia já bem definido. Afinal o que eu colocaria no meu caminho, como explicaria aquela brincadeira sem sentido? Imediatamente ele interrompeu o desenho, colocou o lápis sobre a mesa, me olhou e disse bem sério: é claro que não, você não sabe que cada um tem que ter o seu caminho?
Já faz muitos anos e este era o início da minha clínica. Mas nunca mais esqueci aquele menino. Quase sempre penso no pedido que via em seu rosto: que lhe deixassem respirar sozinho. Ao mesmo tempo admiro a sua coragem de se rebelar contra o meu conformismo. É claro que era só uma brincadeira, mas quem disse que ele queria saber disso?
Um comentário:
Oi, Eliane:
No dia de seu aniversário, li este texto já um pouco antigo.
Fico feliz em saber que nossos caminhos se cruzaram.
Tomara que os próximo 365 dias desta jornada sejam bastante interessantes.
Feliz Aniversário!
José Rodrigues
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