sábado, 16 de janeiro de 2010

MARIGHELLA, o filme.






Ontem fui assistir ao filme "Marighella, o retrato falado do guerrilheiro", promovido pelo Grupo Tortura Nunca Mais - RJ, com a presença do diretor Sylvio Tendler, o filho de Marighella e outros militantes da época. A exibição aconteceu na Caixa Cultural da Almirante Barroso, fazendo parte de uma sequência de eventos que incluiam a exposição MARIGHELLA e homenagens ao "Combatentes tombados durante a ditadura iniciada com o golpe militar de 1964".

Bem antes de começar a exibição, a distribuição das senhas seguia critérios pouco convencionais, pra não dizer constrangedores. Enquanto a fila crescia o produtor do evento rodava pelo saguão distribuindo-as para os seus amigos. Minha sorte foi receber de quebra o cumprimento de um militante das antigas e nesta hora abocanhar o famigerado papelzinho cor de rosa, pegando carona com o desconhecido galante que pelo salão circulava. Uma menina que estava do meu lado e não teve a mesma iniciativa, ficou do lado de fora da festa por não saber responder rápido: você vai participar do debate?

A chuva que caía do lado de fora não impedia que aos poucos fosse se formando um aglomerado de pessoas em torno da sala de exibição, enquanto o produtor tentava ser "justo" com o resto das senhas que ainda retinha em suas mãos. Alguém decide sair e dar lugar a uma idosa, outros comentam acerca da falta de organização, até que finalmente a exibição tem início, com uma hora de atraso e um resto de burburinho e excitação no ar.

A narrativa segue no estilo tendleriano, cuja sensibilidade se expressa na escuta atenta e cuidadosa de diferentes relatos. Mariguella, o personagem que interessa ao olhar do cineasta, recebe um colorido especial dos amigos e parentes, tendo sua intimidade explorada em pequenos detalhes - a peruca, o óculos, as sandálias - que o tornam parte da história de mais um brasileiro baiano, homem simples, irreverente, de extrema sensibilidade e coragem.

Após o filme, um debate seguido de homenagens tem como foco principal o status de ser parente ou amigo de um torturado. Uma criança pede a palavra e surpreende com a novidade que todos já sabem: de que a tortura ainda existe, sendo praticada hoje contra os pobres e favelados. A classe média - que um dia foi esquerda - assume hoje uma posição de direita e sua luta por reparo não inclui o povo massacrado. Enquanto existirem privilégios, senhas e lugares marcados, a discussão que interessa ao povo permanecerá esquecida e faltarão lugares.

Ao sair do cinema tentei ir ao banheiro e fui informada pelo segurança que o prédio estava sendo evacuado. No dia seguinte fiquei sabendo de uma ameaça de bomba no local e pensei: quase que eu morro sem nem saber de que lado estava. Como filha de militar que odiava os comunistas e me ensinava sempre a ter cuidado com os "vermelhos", eu pensava: esse encontro não é pra mim, não serei homenageada. Ainda me restam outros filmes e outros encontros pra me sentir incluida nesta luta, mesmo sem o "pedigree" necessário.

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