domingo, 17 de janeiro de 2010
Sopros de vida - o primeiro espetáculo do ano
A nova temporada de teatro 2010, no CCBB, nos dá de presente Nathalia Timberg e Rosamaria Murtinho numa montagem requintada, cuja parceria torna impossível distinguir qual das duas atrizes é mais talentosa. Com vigor, jovialidade e intenso brilho dramático, o espetáculo traz para a cena o velho jogo de rivalidade entre amante e esposa. Explorado pela direção com sutileza e habilidade, o texto revira ao avesso aspectos comoventes do mundo feminino, presentes em uma geração da qual ambas fazem parte.
O duelo das personagens - uma bela mistura de conivência e cumplicidade, confundida com uma sutil onda de hostilidade - dá contorno à figura masculina imaginária, conquistador, amante e companheiro, com todas as contradições que lhe cabem. Em torno do recente abandono e da solidão inevitável, ambas tecem aspectos singulares de suas vidas, escolhas cujo destino trazem de volta questões antigas, jamais ultrapassadas. Se casar e ter filhos não aproxima a mulher do destino invejado, o lugar reservado para a amante não é menos trágico. É no "destrinchamento" do texto que a direção do espetáculo nos permite pensar os fragmentos, rir de chistes arrojados e refletir sobre o sentido da vida, enquanto nos proporciona planejados intervalos.
Não há muito o que dizer e os segredos do passado não parecem tão relevantes como deveriam ser de fato. O que era imprescindível tornou-se vulgar e o esquecimento transformou-se em necessidade. Duas mulheres envelhecem, na vida e no palco. Enquanto o personagem masculino se diverte do outro lado do mapa, com a jovialidade americana e os velhos clichês embutidos nas mesmas piadas.
Com tudo o que assisti de belo nessa noite, uma pergunta ainda me cabe: qual é o sentido de montar textos que falam de um outro mundo, embora a mulher seja a mesma em qualquer parte? Talvez um diálogo entre Clarice Lispector e Adélia Prado, falando da solidão como o destino de todas as mulheres, possa nos ensinar algo mais sobre a faca e o queijo: a fome como saída para a coisa amarga.
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