quarta-feira, 11 de abril de 2007

QUEREMOS PAZ, MAS COM JUSTIÇA SOCIAL

Três jovens da classe média de Brasília foram indiciados ontem por terem planejado, pela internet, segundo a polícia, a morte de um adolescente. A delegada não achou necessário pedir a prisão preventiva dos jovens porque eles estudam, têm endereço fixo e moram com a família.

Enquanto isso, o Jornal do Brasil estampa em uma de suas páginas que 81% da população brasileira defende a redução da maioridade penal. Numa das cartas aos leitores do Globo, uma leitora quer saber até quando vão continuar acontecendo mortes horrendas no asfalto, sem uma ação enérgica por parte das autoridades que faça a violência parar.

As autoridades fazem sim: elas sobem o morro e matam. Matam jovens adolescentes, negros e pobres. Adolescentes que não têm casa, não estudam e não têm família, como os jovens de classe média de Brasília. Tais mortes ainda recebem o apoio da população que diz: é bandido, tem mais é que matar!

Hoje, 500 pessoas saem às ruas para lamentar a morte de João Helio, pedindo paz. Não teremos paz enquanto acharmos que somos nós as maiores vítimas da violência praticada. E que a punição é a solução primeira para o mal estar.

Não teremos paz enquanto comermos tranquilamente o nosso pão, sabendo que milhares precisam mendigar. Não teremos paz enquanto dormirmos sossegadamente debaixo do nosso teto confortável, sabendo que milhares não têm onde morar. Não teremos paz enquanto desfrutarmos da educação e do lazer a que temos acesso, sabendo que milhares não sabem ler nem escrever, milhares não conseguem se articular.

Enquanto a polícia nos protege, milhares ficam desprotegidos, sendo assassinados impunemente todos os dias. E não viram notícias de jornal e nem produzem algum tipo de comoção social. Porque são pretos, pobres e favelados.

Então que sociedade é essa que quer tanto paz? Sem justiça não há como aplacar os ódios e diminuir as desigualdades. Queremos paz sim, mas não uma paz forjada por tablóides sensacionalistas de jornais. Não podemos ter paz enquanto a justiça não se realizar.

terça-feira, 10 de abril de 2007

O AMOR AO SABER

Recentemente descobri Giordano Bruno (1548-1600) através de um trabalho de levantamento feito por Nuccio Ordine[1], publicado em seu livro “O umbral da sombra”. O pensamento de Giordano apresenta, para a história da filosofia de sua época, uma ruptura radical com todos os moldes canônicos do saber filosófico, bem como o estabelecimento precoce de uma modernidade sobre a qual viríamos a nos debruçar mais tarde.

Um dos capítulos em particular nos chama a atenção para a ruptura que Bruno faz com a linguagem amorosa de sua época, encerrada sobre um mundo de gestos, símbolos, cores, palavras e imagens, como puro entretenimento social, fundado, segundo ele, em moldes pré-fabricados e fórmulas esvaziadas. O que esta forma poética nos oferece é um modelo de conduta pronto a reproduzir gestos e palavras, sem refletir sobre seu conteúdo.

A busca da perfeição no amor é transposta por ele para o amor pelo saber, como uma inexaurível necessidade de possuir aquilo que nunca se pode possuir completamente. A delicada questão da satisfação, que leva à extinção do desejo, é substituída pela busca incessante, capaz de manter a tensão que anima o amante.

O homem heróico, nos diz Bruno, é aquele que vive continuamente no “excesso das contrariedades” tendo a “alma cindida” podendo assim ser capaz de queimar-se nos ardentes desejos. Quem se dispõe a esta aventura amorosa, sabe, desde o início, que o seu amor pelo objeto do desejo jamais se extinguirá. Ao contrário, quanto mais pratica a perseguição, tanto mais ele se inflama, porque se trata de um amor “que mais acende do que pode apagar o desejo.”

A busca do objeto deve assim coincidir com o desejo, só importando o objeto capaz de manter o desejo funcionando. Este objeto, sobre o qual o homem dedica a sua paixão, não poderá completá-lo nem satisfazê-lo completamente, caso contrário, o desejo se extinguirá. O encontro amoroso deverá portanto, garantir tensão, ruptura, para novamente ser capaz de enlaçar.

A caça à sabedoria, como uma busca ardente pelo objeto amado, transforma-se numa viagem solitária, por um caminho espinhoso e deserto. Aquilo que procuramos, não deve estar fora, mas dentro de nós mesmos.

[1] ORDINE, Nuccio. O umbral da sombra. Ed. Perspectiva. São Paulo, 2006.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

SARABAND, um Bergman que não quer calar

Ainda poder contar com produções recentes de Bergman é um privilégio que a nossa geração não pode dispensar. Ainda assim, SARABAND, o último filme do maior cineasta vivo (2003) não fez parte do circuito carioca de cinemas, o que nos leva a pensar no que há de errado com a arte, em especial o cinema.

Bergman não é um autor fácil, disso nós já sabemos. Sua arte não é apaziguadora, ao contrário, nos desestabiliza e nos inquieta o olhar. Em SARABAND essa inquietação é mais grave, se pensarmos no amadurecimento do autor e na velhice com suas conseqüências reais. A amargura que sofre o personagem, diante das limitações da vida e das frustrações das quais não pode mais escapar, é o que move os 112 minutos de película densa e dura, recheada de uma melancolia poética que nos comove do início ao fim.

Trinta anos após o divórcio, Marianne (Liv Ullmann) decide visitar Johan (Erland Josephson) no isolado mundo que escolheu pra viver os últimos dias de sua vida. O encontro, que a princípio parecia sem proósito, tem conseqüências na vida dos dois, e na vida daqueles que os cercam: filhos e netos.

O que fica mais evidente é o modo distinto como envelheceram. A amargura e a solidão que tomam conta de Johan são do tamanho de uma ferida aberta, para a qual ele já desistiu de encontrar a cura. Marianne, contudo, ainda quer dar algum sentido pra o seu passado, buscando respostas pra coisas que não pôde dar.

Ela não sabe ao certo o que a faz procurá-lo, mas durante o tempo em que está ao seu lado, tenta compreender o que aconteceu a ambos, o que significou ter amado aquele homem, o que significa amar. Johan lhe diz que para que um casamento dê certo, duas coisas precisam existir: uma amizade sólida e uma atração sexual inabalável. E conclui: nós fomos dois grandes amigos.

É como amiga que ela se aproxima da sua vida e tenta participar dos seus dramas pessoais. Conhece seu filho com quem ele tem uma relação conturbada, e cuja recente viuvez o torna definitivamente infeliz. Johan não entende como uma mulher conseguiu amar seu filho, cuja manifestação de afeto a ele dirigida ele considera excessiva e enojante.
Marianne, ao ouvir isso, contem-se para não chorar.

Joahn chora pelo filho, se dá conta da vida triste e inútil que viveu. Uma angústia insuportável lhe acomete a ponto de implorar a Marianne que durma do seu lado. Como pretexto, pede que ela tire a roupa e deitam os dois nus, lado a lado. Ele quer saber quando ela vai embora, mas em nenhum momento lhe pede pra ficar.

Marianne retorna e nos dá notícias de Johan meses depois. Ele agora não pode mais atender ao telefone, prometeu que me escreveria. Nunca escreveu. Voltou ao seu isolamento voluntário.

Mas alguma coisa ela recolheu da experiência de descobrir-se só do lado de um homem que nunca soube amar. Numa visita a uma das filhas que ela tinha com Johan, cuja doença mental a afastava da mãe a cada encontro, ela se surpreende com um olhar. Depois de anos, ela me reconheceu. Pela primeira vez eu pude olhar para a minha filha, é o que ela apreende desse encontro com o homem que, durante toda a sua vida, lhe roubou a esperança de ser olhada.

A REVOLUÇÃO NÃO SERÁ TELEVISIONADA

As marcas da infância, com seus traços traumáticos, marcam os caminhos pelos quais escrevemos a nossa história, com base em algum desejo que se mantém latente, contraditório, apontando para a falta que não quer sarar.

A imagem mnêmica, que a história transforma em coisa sua, possui em si um índice misterioso, que nos impele a um tipo de redenção, algum ponto do qual não é mais possível escapar. Vozes que escutamos, cenas que guardamos na memória, trazem um certo encontro marcado de gerações, lugar onde o passado dirige um apelo que não pode ser rejeitado impunemente.

Reconhecemos no filme “A revolução não será televisionada", uma parte da história identificada na cena traumática descrita por Hugo Chavez. Não é por acaso que esta cena marca um dos momentos mais emocionantes do documentário, valendo à pena recordar. Sua avó, nos conta Chavez, quando queria insultar a filha, sua mãe, dizia que ela era igual ao seu avô, um assassino, um homem mau, um bárbaro. O neto guardou da memória aquela cena e no coração uma angustia enorme da qual não sabia como escapar.

A narrativa, não importa se grandiosa ou pequena, mas lindamente documentada pelos cineastas, nos faz levar em conta a verdade que um dia aconteceu e não pode ser perdida pela história. E que Chavez tão poeticamente, nos ensina que é preciso resgatar.Para apropriar-se do seu passado, cada momento vivido transforma-se numa citação. É assim que Chavez, a figura central do documentário dispõe-se a redimir o seu passado, indo ao encontro da sua história citada, até deparar-se com os fatos em outra versão possível de compartilhar: um avô revolucionário, homem amaldiçoado que, aos dezessete anos, já pertencia ao grupo bolivariano pela fundação de uma república venezuelana. A partir de então, inspirado na figura do destemido soldado, decide ele mesmo ser parte desta história que continuava a se contar.

A luta, a confiança, a coragem, o humor, a astúcia, a firmeza com que Chavez age em nome da revolução, permitem que a verdade não escape. A história, articulada ao passado, não representa o fato como ele exatamente foi, mas a apropriação possível de alguma reminiscência capaz de manter viva a história da qual se quer participar. Reconhecendo o perigo de entregar-se ao conformismo do discurso dominante, arraigado à tradição e ao conforto, Chavez luta por preservar a verdade dos fatos. Dedica, deste modo, a sua vida à uma causa em particular: salvar a República construída com o sangue de seus antepassados, ameaçada pela globalização, com seus moldes dominantes, cujo propósito é o de destruir e massacrar.

Também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer, é a este temor que a luta de Chavez nos faz despertar. O povo oprimido que desce as ruas para protestar contra o golpe, ensina-nos que a consciência política de um povo não é utopia de loucos, podendo transformar-se em realidade exemplar. A consciência que faz explodir a continuidade da história marca um novo calendário, instante em que a Revolução não é mais um sonho do passado, mas uma luta que se renova a cada dia, a cada despertar. "Queremos Chavez, nós os elegemos e ele deve governar".

Em uma das cenas finais, Chavez de volta ao poder abraça um de seus ministros emocionado: "vocês fizeram a história". Não uma história pontuada de nexos causais, mas uma história capaz de captar a configuração dos fatos, reconhecendo em sua própria época alguma coisa que já estava lá, perfeitamente determinada: a revolução, que não pode e não deve parar. O tempo da rememoração não se dá como um vazio que desencanta o futuro, mas como uma porta estreita por onde se vislumbram os sonhos possíveis de se realizar.

domingo, 8 de abril de 2007

Não tenho muita intimidade com computadores, sou avessa à toda essa tecnologia, mas meu frenesi pela escrita me atiçou os miolos, quando um amigo me sugeriu: faça o seu blog!
Então decidi que ia me dedicar ao exercício prazeroso de documentar em palavras as coisas pelas quais sou atravessada: meu amor pelos livros, filmes, peças de teatro, e tudo o mais que me tira o sono, me inquieta o olhar e me faz sonhar.
Essa é a minha primeira viagem oficial pelo mundo da escrita descomprometida, na qual me reconheço e me estranho. A reação de quem lê é o desafio diário que enfrentarei com pânico contido.