segunda-feira, 9 de abril de 2007

A REVOLUÇÃO NÃO SERÁ TELEVISIONADA

As marcas da infância, com seus traços traumáticos, marcam os caminhos pelos quais escrevemos a nossa história, com base em algum desejo que se mantém latente, contraditório, apontando para a falta que não quer sarar.

A imagem mnêmica, que a história transforma em coisa sua, possui em si um índice misterioso, que nos impele a um tipo de redenção, algum ponto do qual não é mais possível escapar. Vozes que escutamos, cenas que guardamos na memória, trazem um certo encontro marcado de gerações, lugar onde o passado dirige um apelo que não pode ser rejeitado impunemente.

Reconhecemos no filme “A revolução não será televisionada", uma parte da história identificada na cena traumática descrita por Hugo Chavez. Não é por acaso que esta cena marca um dos momentos mais emocionantes do documentário, valendo à pena recordar. Sua avó, nos conta Chavez, quando queria insultar a filha, sua mãe, dizia que ela era igual ao seu avô, um assassino, um homem mau, um bárbaro. O neto guardou da memória aquela cena e no coração uma angustia enorme da qual não sabia como escapar.

A narrativa, não importa se grandiosa ou pequena, mas lindamente documentada pelos cineastas, nos faz levar em conta a verdade que um dia aconteceu e não pode ser perdida pela história. E que Chavez tão poeticamente, nos ensina que é preciso resgatar.Para apropriar-se do seu passado, cada momento vivido transforma-se numa citação. É assim que Chavez, a figura central do documentário dispõe-se a redimir o seu passado, indo ao encontro da sua história citada, até deparar-se com os fatos em outra versão possível de compartilhar: um avô revolucionário, homem amaldiçoado que, aos dezessete anos, já pertencia ao grupo bolivariano pela fundação de uma república venezuelana. A partir de então, inspirado na figura do destemido soldado, decide ele mesmo ser parte desta história que continuava a se contar.

A luta, a confiança, a coragem, o humor, a astúcia, a firmeza com que Chavez age em nome da revolução, permitem que a verdade não escape. A história, articulada ao passado, não representa o fato como ele exatamente foi, mas a apropriação possível de alguma reminiscência capaz de manter viva a história da qual se quer participar. Reconhecendo o perigo de entregar-se ao conformismo do discurso dominante, arraigado à tradição e ao conforto, Chavez luta por preservar a verdade dos fatos. Dedica, deste modo, a sua vida à uma causa em particular: salvar a República construída com o sangue de seus antepassados, ameaçada pela globalização, com seus moldes dominantes, cujo propósito é o de destruir e massacrar.

Também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer, é a este temor que a luta de Chavez nos faz despertar. O povo oprimido que desce as ruas para protestar contra o golpe, ensina-nos que a consciência política de um povo não é utopia de loucos, podendo transformar-se em realidade exemplar. A consciência que faz explodir a continuidade da história marca um novo calendário, instante em que a Revolução não é mais um sonho do passado, mas uma luta que se renova a cada dia, a cada despertar. "Queremos Chavez, nós os elegemos e ele deve governar".

Em uma das cenas finais, Chavez de volta ao poder abraça um de seus ministros emocionado: "vocês fizeram a história". Não uma história pontuada de nexos causais, mas uma história capaz de captar a configuração dos fatos, reconhecendo em sua própria época alguma coisa que já estava lá, perfeitamente determinada: a revolução, que não pode e não deve parar. O tempo da rememoração não se dá como um vazio que desencanta o futuro, mas como uma porta estreita por onde se vislumbram os sonhos possíveis de se realizar.

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